Em Um Mundo Melhor


Certa vez a filósofa americana Martha Nussbaum disse: "O senso primitivo do justo — notadamente constante de diversas culturas antigas a instituições modernas — começa com a noção de que a vida humana é uma coisa vulnerável, uma coisa que pode ser invadida, ferida, violada de diversas maneiras pelas ações de outros".

Este sentimento de revanche que duela bravamente contra o racional, estruturado pela ética das relações humanas, é um dos pontos tocados pela diretora Suzanne Bier no drama Em Um Mundo Melhor.

No longa acompanhamos a história do Dr. Anton (Mikael Persbrandt), um médico sueco que trabalha em um campo de refugiados na África, que se por um lado luta para preservar a vida daquelas pessoas, não consegue fazer o mesmo pelo próprio casamento, levando sua esposa a entrar com um processo de divórcio. Tamanha dedicação a seus pacientes, provoca um tênue distanciamento até mesmo dos filhos. Um deles, Elias, o mais velho - constante vítima de bullying na escola. Paralelamente conhecemos Claus (Ulrich Thomsen), um rico executivo que é obrigado a se aproximar mais do primogênito, depois que a esposa morre de câncer. A partir daí o jovem Christian se torna introspectivo e violento, de certa forma culpando o mundo por tudo o que está vivenciando. O encontro entre Elias e Christian (que se torna companheiro de classe do primeiro), acaba se tornando literalmente uma pólvora - a ingenuidade somada às agressões sofridas por um com a revolta e o ódio crescente do outro - acabam eclodindo em um incidente com certa gravidade capaz de mexer com os mais velhos e reuni-los a fim de buscar providências.

Apostando em figuras comuns e com bases bem humanas, Bier desenvolve cada um dos personagens através de uma ótica atual e realista. A desestruturação familiar, o número crescente de casais que se divorciam, a alienação provocada pela Internet - que abriga até mesmo manuais de fabricação de bombas - um senso ético a todo o momento sendo colocado em cheque. A começar pelo protagonista Anton - aparentemente imprimido com um viés heróico, incapaz de pagar com a mesma moeda a agressão sofrida em um episódio banal - mas surpreendentemente permissivo ao transferir o destino de alguém para um povo cego por vingança.



Do mesmo modo o amoroso Claus, ao confessar ao filho que desejava que a esposa morresse por não aguentar mais - mesmo que tal declaração possa soar monstruosamente egoísta. Se Suzanne Bier expõe corajosamente as mazelas e fraquezas da humanidade, em contrapartida salienta que mesmo com tais desvios é possível construir e preservar -- em detrimento do descontrole.

A bela e radiante fotografia de Morten Søborg confere com competência este caráter redentivo à produção, de igual modo Johan Söderqvist acertou em cheio ao optar por uma trilha-sonora apenas instrumental, reforçando o clima introspectivo. Importante também destacar o maravilhoso trabalho do elenco, em especial do sueco Mikael Persbrandt - intérprete do Dr. Anton, totalmente entregue ao papel, ilustrando este embate entre a razão e o senso quase comum do olho por olho.

Vencedor do Oscar 2011, na categoria filme estrangeiro - Em Um Mundo Melhor aponta que apesar desse sentimento inerente de retaliação presente em cada um, uma outra direção pode ser tomada nas relações interpessoais - e ter tamanho ou maior impacto, depende de uma escolha: destruir por destruir ou vencer por construir.





3 Response to "Em Um Mundo Melhor"

  1. J. BRUNO says:

    Já tem um bom tempo que estou querendo assistir a este filme, mas não o encontro em nenhuma locadora por aqui, até tentei fazer download mais a imagem estava horrível, então desisti...
    Gostei da abordagem analítica diferenciada que vc deu, usando citações e sua bagagem pessoal de conhecimentos... Parabéns pelo Blog! Estou lhe seguindo!
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    http://sublimeirrealidade.blogspot.com/2011/10/piratas-do-caribe-navegando-em-aguas.html
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    http://www.facebook.com/pages/SUBLIME-IRREALIDADE/143364145738330

    Kamila says:

    Gostei muito desse filme, especialmente pela forma como fala da violência. Adorei também a maneira pela qual mostrou o papel dos pais para o desfecho da história. Um filme merecedor do Oscar conquistado neste ano.

    Muito bom seu texto, pois percorre bem o senso sensível deste filme e da maneira como a direção prioriza, sempre, um foco mais humano de seus personagens. Oscar merecido mesmo, abs

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